Hoje, mais do que nunca, sinto a injustiça entranhada nos ossos. Brotam-me lágrimas silenciosas e, em cada uma delas, tento diluir este vulcão que me queima.
Enfim, cada um é p`ró que nasce e come do que gosta...
Eis como se relacionava com a Verdade: só saía com ela se estivesse muito bem vestida e maquilhada. Então, exibia-a a amigos para que lhe elogiassem a bela companhia e a inimigos para que o invejassem. Quando ela acordava zangada, doente ou ferida, metia-a de castigo num quarto escuro, e aí a abandonava até ela ficar irreconhecível. Aproveitava a fraqueza dela para a chantagear: só podia ficar com ele se fosse sempre boazinha e se andasse rigorosamente a seu lado, pois ele não conseguia suportar a centelha incisiva do seu olhar, nem no rosto nem sequer na nuca.
Esta relação com a Verdade não era notada porque se havia generalizado como uma epidemia, atingindo povos inteiros, engodados pela ilusão e pela mentira, duas poderosas aliadas na conjura contra o corajoso e já proscrito Orfeu.