terça-feira, 31 de março de 2015

No tempo dos cofres cheios e as mãos vazias!!!

As palavras batem em muros opacos e escuros, em janelas fechadas... em portas trancadas...

Cada um sabe de si e o que está lá em cima sabe de todos???...

"Por vezes é quase impossível aceitar e entender, Deus, o que as tuas imagens e semelhanças, neste mundo, andam a fazer umas às outras nestes tempos de excessos. Contudo, não é por causa disso que me fecho no meu quarto, Deus, eu enfrento tudo e não quero fugir de nada e, quanto aos maiores crimes, tento entendê-los e analisá-los um pouco."
(Etty Hillesum)

...andarilha por aqui:


Y
e...pelas terras de senhor Manoel...

"é preciso decifrar o canto das aves para podermos decifrar os cantos das coisas e todas as subsequentes bissectrizes ou diagonais. todo o canto esconde, para além de uma harmonia, mesmo que vocabular, uma geometria recôndita, vestibular, musical. Eu gosto do canto dos melros, do mesmo modo que gosto dos cantos das coisas"

sexta-feira, 27 de março de 2015

Hoje como ontem___os convencidos da vida!!!...

Andava aqui a matutar se seria boa opção fazer  uma tese de enervamento___tema livre, mas hoje, ao ler as notícias, dissiparam-se as dúvidas: 
"José Sócrates e a génese da heteronimia". O meu orientador será um professor catedrático anónimo.

"O Ministério Público acredita que terá sido um professor universitário português e não José Sócrates a escrever a obra "Confiança no Mundo", que o ex-primeiro-ministro apresentou como trabalho académico"
(Oservador)

"A cultura é cara. A incultura acaba sempre por sair mais cara. E a demagogia custa sempre caríssimo."
(Sophia)


Os convencidos da vida

"Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear. 
Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força. 
Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista. 
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se? 
(...) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil. 
Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro. 
Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi."

(Alexandre O'Neill)

 "Somos uma espécie que não merece viver"
(Sebastião Salgado)

sábado, 21 de março de 2015

No dia livre do pensamento...



"A arte é um esquivar-se a agir, ou a viver. A arte é a expressão intelectual da emoção, distinta da vida, que é a expressão volitiva da emoção. O que não temos, ou não ousamos, ou não conseguimos, podemos possuí-lo em sonho, e é com esse sonho que fazemos arte. Outras vezes a emoção é a tal ponto forte que, embora reduzida a acção, a acção, a que se reduziu, não a satisfaz; com a emoção que sobra, que ficou inexpressa na vida, se forma a obra de arte. Assim, há dois tipos de artista: o que exprime o que não tem e o que exprime o que sobrou do que teve."
(Fernando Pessoa/Bernardo Soares, "Livro do Desassossego")




"Que vês daí, amigo,
bom vizinho?
(...)
Eis o que vês e eu
vejo igualmente.
Grossos cristais desafiam o apetite.
Os cartazes anunciam nas paredes
uma economia aquosa. Os que se submetem
arrastam-se entre a fome e o treponema.
O que os seus dedos tocam
não é a flor, é a prótese.
(Vivemos
na distância dos olhos. Podemos
tocar a sinuosa linha do esforço,
a corda tensa do augúrio. Já fuma
o momento de recusar o medo,
o momento de restituir o prumo
à dignidade.)
(...)
Este cemitério é vasto e sem muros.
Aí nos situamos; e entre nós
há esta só diferença: nós podemos
fazer ainda a vida acontecer."
(Egito Gonçalves, "Poemas políticos")
"Que tristeza tão inútil essas mãos
que nem sequer são flores
que se dêem:
abertas são apenas abandono,
fechadas são pálpebras imensas
carregadas de sono."
(Eugénio de Andrade)


domingo, 8 de março de 2015

A Elas!...

"Elas"...
O meu pensamento vai para as mulheres anónimas que lutam sem meios, ou que tinham alguns e deles foram privadas. Para a sua batalha quotidiana pelos filhos, o alimento, saúde, trabalho, educação. Para o seu heroísmo nesta forma de guerra que não conhece vitória, só a resistência que permita durar.

"Elas
inventam a mata
na clareira assombrada
embrenhadas na vigília
recriam, criam, dominam
Viram pombas, profetisas
com uma alvura de cera
pálidas rosas da China
«Oh, tormenta amendoada
solidões e desespero
enquanto de madrugada
Cavam, enterram, devassam
pespontando com o riso
as dobras de calamento»
Elas
bradam, elas buscam
sibilas e amazonas
emudecem as camélias
e as roseiras nervosas
Feiticeiras ardilosas
filhas da harmonia
partilham as tempestades
derrubam, suturam, fiam
«Oh, doçuras sigilosas
no aço do destempero
de incêndios e desesperos
Virados pelo avesso
a paixão e a razão
entre si tão divididas»
Elas
recusam, derrubam
dominam as próprias vidas
com a sua inteligência
Tornam-se donas do tempo
a semearem agruras
pelos meandros do vento".
(Maria Teresa Horta) 

Em pleno século XXI, ainda é preciso recordar a Mulher, enquanto vítima, enquanto lutadora de causas...