segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Parabéns José Saramago!



As suas palavras têm, cada vez mais sentido, por isso serão, cada vez mais nossas.

"O tempo das verdades plurais acabou. Vivemos no tempo da mentira universal. Nunca se mentiu tanto. Vivemos na mentira, todos os dias."

A propósito do aniversário de José Saramago veio-me à ideia o "Ensaio sobre a cegueira".
(...) "Há muitas formas de cegueira. Estamos a falar de cegueiras metafóricas e não de cegueiras reais. Uma forma de cegueira é não querer compreender, é levantar uma barreira para que as coisas de fora não nos venham agredir e há uma infinidade de formas de ser cego. Vamos imaginar que uma pessoa não é cega... e quando diz que não se quer chatear até parece alguém que está consciente do passado do mundo e, simplesmente, não quer que o mundo o aborreça. Essa pessoa não se dá conta que essa é a sua cegueira." (...)
em, "Uma longa viagem com José Saramago"



... a propósito:

"Tomemos então nós , cidadãos comuns, a palavra e a iniciativa...Talvez o mundo possa começar a tornar-se melhor."

Declaração Universa












"Ensaio sobre a Cegueira" - «E se nós fossemos todos cegos?»








Em pouco mais de trezentas páginas, o “Ensaio sobre a cegueira” desmonta toda a organização social complexa que a humanidade demorou tanto tempo pra conquistar, o Estado de direito. Governos, instituições, relações familiares, garantias civis – tudo isso simplesmente desmorona conforme os seres humanos vão perdendo a visão.

É como se os seres humanos voltassem para o estado primitivo.

A primeira medida do governo, quando a epidemia começa a atingir algumas pessoas, é metê-las em quarentena dentro de um sanatório desativado. Lá não há funcionários de saúde, não há agentes do governo, a comida é deixada na porta por agentes do exército com roupas de proteção. Todas as medidas são tomadas para que aqueles cegos não contaminem mais ninguém.

Evidentemente, essa medida não resolve nada. Rapidamente a epidemia evolui fora da quarentena, até que não sobre mais ninguém com visão. Exceto uma única pessoa, uma mulher comum que inexplicavelmente continua a enxergar…




Julianne Moore, Mark Ruffallo, Alice Braga em gravação de “Ensaio sobre a cegueira” no centro de São Paulo.



E ela é a única que pode ver como as ruas vão sendo tomadas por milhares de pessoas cegas e perdidas, porque no momento em que ficam cegas, não conseguem mais achar o caminho de casa.


Ela assiste, angustiada, aos supermercados sendo saqueados por multidões famintas, porque logo a comida deixa de ser produzida nos campos (onde os trabalhadores rurais também ficaram cegos).

Ela vê como, em pouco tempo, as ruas se enchem lixo, excrementos, gente morta e outras imundícies – porque não há mais ninguém pra limpar.

“Ensaio sobre a cegueira” foi publicado em 1995 e é uma das obras mais lidas do José Saramago no Brasil, tão popular que ela até virou um filme com elenco internacional dirigido por Fernando Meirelles e gravado, em muitas cenas, em São Paulo.




José Saramago (1922 – 2010)



Apenas três anos depois, em 1998, Saramago se tornou prêmio Nobel de Literatura – até hoje o único escritor da língua portuguesa que recebeu a condecoração – e passou a ser festejado no mundo inteiro por seu estilo irônico e amargo, tão presente no “Ensaio sobre a cegueira”.

José Saramago foi um escritor alcançou a fama muito tarde, com quase sessenta anos. E foi realmente na terceira idade que ele mais produziu, uma obra vasta em que ele simplesmente inventou uma forma de narrar totalmente nova: outras regras de pontuação, narrador irônico, questionador, desconcertante.

Saramago contava, inclusive, que teve a inspiração de “Ensaio sobre a cegueira” por acaso, num restaurante, quando ele se perguntou: e se nós fôssemos todos cegos? Ao que ele respondeu imediatamente: mas nós JÁ SOMOS todos cegos.

É exatamente esta revelação terrível que ele quer provar: com ou sem a visão, vendo tudo branco ou vendo todas as cores, pouco importa – a verdadeira cegueira da humanidade é a incapacidade de enxergar as coisas que estão embaixo do nosso nariz.

É aceitar explicações fáceis e baratas sobre o mundo, que na verdade é muito complexo. A cegueira do Saramago é uma síntese do egoísmo, da intolerância, do fanatismo, do comodismo, da competição selvagem e da indiferença tão comuns na sociedade moderna.

“Ensaio sobre a cegueira” é um soco no nosso estômago. É a maneira mais forte e radical que existe de entender aquele ditado que diz que “pior cego é aquele que não quer ver”.


Gostou? Compartilhe!




Seu e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *
Nome *Email *Website

Comentar

limpar formulárioEnviar

Avise-me sobre comentários seguintes por email.

Avise-me sobre novas publicações por email.


Postagens recentes


49º livro: A morte de Ivan Ilitch, Lev Tolstói
13 de novembro de 2015


Retrospectiva: Os 5 Pais Mais Legais da Literatura
10 de novembro de 2015


48º livro: coleção Luis Fernando Verissimo
6 de novembro de 2015


46º livro: Contos de imaginação e mistério, Edgar Allan Poe
30 de outubro de 2015


É a semana de Halloween!
27 de outubro de 2015


45º livro: São Bernardo, de Graciliano Ramos
23 de outubro de 2015
Categorias
Bookshelf Tour(4)
Livros(52)
Sobre o blog(3)
Vídeos(70)

"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara” - epígrafe da obra
As formas várias de olhar, as formas de ver, o que se observa e o que se repara.
Intuir, absorver informação, interpretar e desenvolver a capacidade de interagir com o mundo que nos rodeia.
Esta obra, é, se assim se pode dizer, uma grande "porrada", naquilo a que se chama a consciência humana. Encerra em si, e abre, ao mesmo tempo, para o mundo, uma explanação sobre a evolução do ser humano.
A cegueira que se espalha numa manifestação de epidemia galopante, coloca várias questões apresentadas em patamares diferentes. Podemos observar a questão da precariedade pessoal, quando confrontados com uma deficiência ou diminuição das capacidades individuais; a questão da solidariedade da população, nos seus diferentes planos ou relações. o "eu e o tu", o "eu e o nós", o "nós e os outros"; a intervenção das instituições que garantem e governam as sociedades perante o caos.
Todos estes níveis de observação, foram colocados dentro de uma enorme metáfora, esquematizados de forma densamente pragmática, tendo em conta, aquilo que é a evolução do ser humano e a sua histórica incapacidade de evoluir em humanidade, num contexto global, que se pretende evoluído e (utopicamente) geradora de todas as condições e princípios básicos com que se deve reger a humanidade.
Esta epidemia, a "cegueira branca", talvez a maior limitação que o ser humano possa sofrer, aqui enquadrada num contexto de massas, de população afectada, fará descer a "unidade", o conjunto de afectados pela mesma doença, ao seu próprio inferno - a falta de dignidade na perspectiva individual potenciada pelo caos do grupo.
Saramago, recorre a este "castigo", para demonstrar que a lucidez de espírito dos que vêm, está afectada pela incapacidade do homem gerar e criar valores, como a humanidade, a urbanidade, a bondade, e que, adormecidos sobre o seu próprio egoísmo, perante uma brutal calamidade são obrigados a descer ao nível mais baixo da sua dignidade.
Neste patamar, onde os homens são equivalentes a todo e a qualquer animal, que sobrevive pelo instinto mais básico e primitivo, surge em contraponto com o caos, a imagem da esperança - a imagem do "cão das lágrimas" que lambe o sofrimento da "mulher do médico" e lhe transmite algum conforto.


Quem deverá ler esta obra?
Qual o público leitor alvo?
Homens e mulheres, que conseguem olhar para as atrocidades do mundo, como que, se de um reality show tratasse.


Cuidado... a cegueira... vive e sobrevive, neste pasto, neste caldo de humanidade...


(...) "Há muitas formas de cegueira. Estamos a falar de cegueiras metafóricas e não de cegueiras reais. Uma forma de cegueira é não querer compreender, é levantar uma barreira para que as coisas de fora não nos venham agredir e há uma infinidade de formas de ser cego. Vamos imaginar que uma pessoa não é cega... e quando diz que não se quer chatear até parece alguém que está consciente do passado do mundo e, simplesmente, não quer que o mundo o aborreça. Essa pessoa não se dá conta que essa é a sua cegueira." (...)
em, "Uma longa viagem com José Saramago"