quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A morte chegou, mas Cesariny estava destinado a vencê-la...(recordemo-lo)


Mário Cesariny de Vasconcelos ( 9 de Agosto de 1923  26 de Novembro de 2006) foi poeta e pintor, considerado o principal representante do surrealismo português.

Para não me perder no rodopio da banalidade quotidiana___ relembro hoje  Cesariny.
Há tantas coisas esquecidas a estalar debaixo dos pés. É talvez por isso que escrevo, que relembro, que partilho... Para abrandar a vida que perturba, que estraga e faz barulho.

"Haverá gente com nomes que lhes caiam bem. Não assim eu. [...] Como assim Mário como assim Cesariny como assim ó meu deus/ de Vasconcelos?
"Sou um homem/ um poeta/ uma máquina de passar vidro colorido". E também uma máquina de gerar confronto e polémica.
Desejou uma "daquelas mortes boas, em que uma pessoa se deita para dormir e nunca mais acorda". A morte chegou, mas Cesariny estava destinado a vencê-la.

Deste poeta-pintor sempre se pôde esperar o inesperado.


Pastelaria

Afinal o que importa não é a literatura

nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio

nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante

- ele há tanta maneira de compor uma estante!

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício

e cair verticalmente no vício

Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola 

antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome 

porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo

de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:

Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo

à saída da pastelaria, e lá fora - ah, lá fora! - rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta

ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

Mário Cesariny, in "Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano"