Mário Cesariny de Vasconcelos ( 9 de Agosto de 1923 26 de Novembro de 2006) foi poeta e pintor, considerado o principal representante do surrealismo português.
Para não me perder no rodopio da banalidade quotidiana___ relembro hoje Cesariny.
Há tantas coisas esquecidas a estalar debaixo dos pés. É talvez por isso que escrevo, que relembro, que partilho... Para abrandar a vida que perturba, que estraga e faz barulho.
"Haverá gente com nomes que lhes caiam bem. Não assim eu. [...] Como assim Mário como assim Cesariny como assim ó meu deus/ de Vasconcelos?
"Sou um homem/ um poeta/ uma máquina de passar vidro colorido". E também uma máquina de gerar confronto e polémica.
Desejou uma "daquelas mortes boas, em que uma pessoa se deita para dormir e nunca mais acorda". A morte chegou, mas Cesariny estava destinado a vencê-la.
Deste poeta-pintor sempre se pôde esperar o inesperado.
Pastelaria
Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante!
Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício
Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola
Pastelaria
Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante!
Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício
Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora - ah, lá fora! - rir de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra
Mário Cesariny, in "Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano"