quarta-feira, 25 de junho de 2014

O que faz o meu País aos melhores!!! (ao som do homem que diz adeus, Bernardo Sasseti Trio ).





"Cada pessoa é um mundo feito de memória, a mais subtil de todas as matérias e, no entanto, a única que verdadeiramente existe.

O que é certo é que este meu país deu cabo do meu amigo. O génio do meu amigo foi esmagado, obliterado, esquecido por este país.

O meu país é um país que não reconhece o verdadeiro valor, não gratifica a excelência, e mal suspeita de alguma coisa original, logo, estranha, esmaga-a.

Camões morreu pobre e desolado. Provavelmente sem ter tido sequer a sorte de ter tido um único amigo, como eu tive.

O Pessoa, que viveu de quarto em quarto, foi morrer com o fígado trespassado a um hospital com nome francês que está no Bairro Alto e, ao que se diz, a última frase que se lhe ouviu foi em inglês que a disse I do not know what tomorrow will bring, para tirar as dúvidas a quem as tivesse.
O Ruy Belo, um magnífico poeta, foi um herói desprezado primeiro pela academia fascista e, depois, pela academia democrática.
Eu só não me deixei esmagar porque não tenho valor algum em particular, nunca tendo chegado a ser o que queria, que é o que acontece a grande parte da gente, senão a toda a gente, que habita o meu país.

O meu país só reconhece os génios depois de estarem bem mortos e enterrados, de forma a já não poderem ofuscar nenhum dos irrisórios entes que tendem a demorar a morrer e gerem a chamada cultura nacional.
Aliás a maior manifestação cultural do meu país é o futebol, um jogo que se joga principalmente com os pés, uma manifestação que não só esmaga todos os desportos à sua volta como todas as outras manifestações presumivelmente culturais.

O Fernando Pessoa só foi plenamente reconhecido quando começou a dar dinheiro, por assim dizer, e, passada uma eternidade de estar sepultado no cemitério dos Prazeres, as entidades culturais decidiram mudá-lo para o Mosteiro dos Jerónimos, do outro lado onde deviam estar os ossos de Camões, mas não há nada, a ele que explicitamente escreveu nada haver de mais estúpido do que a Igreja Católica.

Do último exíguo quarto onde foi morrendo devagar, fizeram, abusando do seu nome, uma casa de vários pisos onde decorrem as mais variadas manifestações culturais. Algo de intensamente agoniante, diria mesmo lúgubre, uma verdadeira falta de respeito pelo poeta, e pela essencial carência da poesia".

Pedro Paixão in 'Espécie de Amor' 




Não há dúvida: existem coisas tão simples e tão belas!