Há coisas que eu gostava de dizer, mas... falta-me a inteligência das mulheres sedutoras e dos homens geniais...
É tanto o horror relativo ás vítimas da violência do mundo que não pode assimilar-se com a alma e a mente e a esperança, essa pequena luz que me empurra para continuar a andar por esta vida, sem justiça, onde muitos homens perderam a sua condição humana, onde a perversão está cada dia mais eficiente e cruel, gerando uma impotência sem limites, porque é muito difícil de manter, eu sinto muito, mas decidi tomar um pouco de "ar"...
... e voltar a ver o mundo com os olhos de CRIANÇA.
dicembre 1923, a New York, nasceva Maria CALLAS, la Divina.
ACONTECE-ME ÀS VEZES, E SEMPRE QUE ACONTECE...
Acontece-me às vezes, e sempre que acontece e quase de repente, surgir-me no meio das sensações um cansaço tão terrível da vida que não há sequer hipótese de acto com que dominá-lo.
Para o remediar o suicídio parece incerto, a morte, mesmo suposta a inconsciência, ainda pouco. É um cansaço que ambiciona,
não o deixar de existir — o que pode ser ou pode não ser possível —, mas uma coisa muito mais horrorosa e profunda,
o deixar de sequer ter existido, o que não há maneira de poder ser.
Para o remediar o suicídio parece incerto, a morte, mesmo suposta a inconsciência, ainda pouco. É um cansaço que ambiciona,
não o deixar de existir — o que pode ser ou pode não ser possível —, mas uma coisa muito mais horrorosa e profunda,
o deixar de sequer ter existido, o que não há maneira de poder ser.
Creio entrever, por vezes, nas especulações, em geral confusas, dos índios qualquer coisa desta ambição mais negativa do que o nada.
Mas ou lhes falta a agudeza de sensação para relatar assim
o que pensam ou lhes falta a acuidade de pensamento para sentir assim o que sentem. O facto é que o que neles entrevejo não vejo. O facto é que me creio o primeiro a entregar a palavras o absurdo sinistro desta sensação sem remédio.
Mas ou lhes falta a agudeza de sensação para relatar assim
o que pensam ou lhes falta a acuidade de pensamento para sentir assim o que sentem. O facto é que o que neles entrevejo não vejo. O facto é que me creio o primeiro a entregar a palavras o absurdo sinistro desta sensação sem remédio.
E curo-a com o escrevê-la. Sim, não há desolação, se é profunda deveras, desde que não seja puro sentimento, mas nela participe a inteligência, para que não haja o remédio irónico de a dizer.
Quando a literatura não tivesse outra utilidade, esta,
embora para poucos, teria.
Quando a literatura não tivesse outra utilidade, esta,
embora para poucos, teria.
Os males da inteligência, infelizmente, doem menos que
os do sentimento, e os do sentimento, infelizmente, menos
que os do corpo. Digo «infelizmente» porque a dignidade humana exigiria o avesso. Não há sensação angustiada do mistério que possa doer como o amor, o ciúme, a saudade, que possa sufocar como o medo físico intenso, que possa transformar como a cólera ou a ambição. Mas também nenhuma dor das que esfacelam a alma consegue ser tão realmente dor como a dor de dentes,
ou a das cólicas, ou (suponho) a dor de parto.
os do sentimento, e os do sentimento, infelizmente, menos
que os do corpo. Digo «infelizmente» porque a dignidade humana exigiria o avesso. Não há sensação angustiada do mistério que possa doer como o amor, o ciúme, a saudade, que possa sufocar como o medo físico intenso, que possa transformar como a cólera ou a ambição. Mas também nenhuma dor das que esfacelam a alma consegue ser tão realmente dor como a dor de dentes,
ou a das cólicas, ou (suponho) a dor de parto.
De tal modo somos constituídos que a inteligência que enobrece certas emoções ou sensações, e as eleva acima das outras,
as deprime também se estende a sua análise à comparação entre todas.
as deprime também se estende a sua análise à comparação entre todas.
Escrevo como quem dorme, e toda a minha vida é um recibo por assinar.
Dentro da capoeira de onde irá a matar, o galo canta hinos à liberdade porque lhe deram dois poleiros.
BERNARDO SOARES
Livro do Desassossego Vol.I.
Fernando Pessoa
Livro do Desassossego Vol.I.
Fernando Pessoa